“Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade. Que proveito tem o homem, de todo o seu trabalho, que faz debaixo do sol? Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece.” (Eclesiastes 1:1–4)
Todos nós sabemos, de uma forma ou de outra, que a vida é uma coisa curiosa; chega a ser cômica por ser tão esquisita. Nada faz muito sentido no fim, não é? Vagamos aqui e acolá tentando encontrar algum lema que nos responda às questões mais obscuras da nossa alma, mas tudo que encontramos parece eficaz no início, mas com o tempo, nossa alma passa a não reagir mais aos remédios encontrados no caminho. Quantas pessoas mudam todo o estilo de vida por pensar terem encontrado a resposta, a forma certa de viver plenamente, e depois retornam ao status quo, assumindo que não deu certo. Quantas coisas parecem dar sentido à vida, mas quando chegamos pertinho, descobrimos serem apenas ilusão!
Um homem velho, há muito tempo atrás, dedicou anos de sua vida à experimentar todas essas coisas e descobrir a resposta. Eis o que ele escreveu:
“Tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o coração de alegria alguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a recompensa de todas elas. Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu, com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol.” (Eclesiastes 2:10)
O termo original usado em “vaidade” é, na verdade, muito mais profundo. “Hevel” significa algo como vapor. Sabe quando você solta o ar pela boca numa noite muito fria? Não consegue ver uma espécie de vapor saindo dela? É tão nítido às vezes que a gente até pensa que dá pra pegar, né? Mas se chegarmos pertinho e tentarmos segurá-lo, ele se desfaz. Salomão usou hevel como uma perfeita ilustração do que são os prazeres e belezas desse mundo. A vida mesmo é meio desértica, né? Mas existe tanta beleza ao mesmo tempo! Mas por que sentimos que essa beleza sempre está distante, não importa o quanto tentemos nos achegar pra perto delas? Elas são como visagens que Deus nos permite ter nesse mundo seco e cruel. Ele as coloca diante dos nossos olhos para que andemos seguindo a direção que nos tira daqui, desse deserto chamado mundo caído. Se as seguimos sabendo disso, colocamos nossa esperança no fim, num destino certo: o mundo para além do deserto. Dessa forma, a vida fica mais leve pois continuamente vislumbramos as belezas dessas visagens e não só nos deleitamos nelas em si como também trazemos à lembrança que um dia sairemos daqui e moraremos num paraíso de verdade. Não um ilusório, distante. Mas um verdadeiramente palpável.
Enquanto não entendemos que há um real paraíso que gera tal sombra diante de nós, vivemos sempre esperando encontrar sentido nessas sombras, e sempre sentiremos a frustração de querer pegar o vapor com as mãos e não conseguir. James K.A Smith, em seu livro “Na estrada com Agostinho”, diz o seguinte:
Nossa inquietação é um reflexo do que tentamos “desfrutar” como um fim em si mesmo — o lugar que procuramos para ali repousar. A fome do coração é infinita, e é por isso que ela se decepcionará com algo meramente finito. Os seres humanos são criaturas estranhas que jamais ficam satisfeitas com qualquer coisa criada — embora isso nunca nos impeça de tentar. Agostinho destaca que a ironia é sentirmos frustração e decepção quando tentamos fazer da estrada um lar em vez de percebermos que ela nos leva à nossa casa ao tentarmos dizer a nós mesmos que “a estrada é a vida”. Então atribuímos expectativas infinitas ao que é finito, mas o finito é dado como um presente para nos ajudar a chegar a outro lugar.”
De facto, é adorável contemplar uma tela do Monet, aquelas cores tão sutis e belas, as pinceladas apressadas e ao mesmo tempo tão bem pensadas. É de tirar o fôlego parar diante de uma enorme construção medieval, pensar em quantos atos heroicos aconteceram naquele lugar. Deitar os olhos à infinitude do oceano sempre nos deixa admirados. Os passarinhos tão fofinhos pousando sobre os galhos das árvores num dia de Sol, e aliás, os dias ensolarados são tão belos! Como é bom admirar as palmeiras, os pinheiros, as araucárias, sob um céu azul, e até mesmo com nuvens de diversos formatos, uns mais engraçados que outros. Tudo isso nos faz sentir como se nosso próprio ser estivesse sendo elevado de alguma forma, pra algum lugar melhor do que o que estamos. É maravilhoso. Entretanto, o passarinho fofo voa pra longe, o topo das árvores se faz inalcançável, e mesmo que subas até o topo para ver as belezas do mundo, lá elas estarão, distantes novamente, apenas uma visão do que é belo, longe de nós. O céu sempre lá, longe. Aliás, o que sequer é o céu, né? Dá pra tocar aquele azulão lindo? É um teto sobre nossas cabeças ou o que? As belas telas de Monet, não conseguimos mergulhar nelas, morar nos jardins que ele pintava, molhar os pés nos lagos que ele pincelou. Tudo é vaidade e correr atrás do vento. Nunca é suficiente. Ainda deitamos nossa cabeça no travesseiro e pensamos: meu Deus, que vida! Que vazio!
Ainda sentimos essa necessidade de sermos preenchidos, e provamos isso quando tentamos de tudo para SENTIR ALGO simplesmente. Diante de tanta vaidade e falta se sentido, o que fazemos? Camus abraça o absurdo, e muitos o abraçam com ele. Nietzsche aceita o nihil (talvez o hevel?) e muitos o aceitam com ele, como aponta James K.A. Smith:
Assim como Camus, às vezes tentamos transformar o desespero em alegria. Como nunca nos sentimos em casa, transformamos nossa distância em uma filosofia: “a estrada é vida” é um lema que você tenta convencer a si mesmo que é verdade quando nunca se sente em casa consigo mesmo. No entanto, é difícil diminuir a fome de lar que até Camus admite ser um impulso. […] Cultivamos a indiferença como se fosse um casulo. Fazemos da ironia um hábito, pois a segurança de manter uma distância segura funciona como um mecanismo de defesa. Se você não encontrar o que importa, conclua que nada importa. Se a fome pelo lar é sempre e apenas frustrante, decida que “a estrada é a vida”.
No fim, Salomão nos mostra que o real sentido está escondido (talvez nem tanto) por trás dessas belezas tão frágeis. Deus, o criador de todas elas, é quem nos proporciona tamanha alegria aqui, e com elas quer nos dizer “ei, tem muito mais aqui onde moro! Se você me seguir, viverá plenamente rodeado, envolto, unido à tudo que é mais belo e prazeroso (o próprio Deus)”.
“Eis o que eu vi: boa e bela coisa é comer e beber e gozar cada um do bem de todo o seu trabalho, com que se afadigou debaixo do sol, durante os poucos dias da vida que Deus lhe deu; porque esta é a sua porção. Quanto ao homem a quem Deus conferiu riquezas e bens e lhe deu poder para deles comer, e receber a sua porção, e gozar do seu trabalho, isto é dom de Deus.” (Eclesiastes 5:18,19)
Alegra-te, jovem, na tua juventude, e recreie-se o teu coração nos dias da tua mocidade; anda pelos caminhos que satisfazem ao teu coração e agradam aos teus olhos; sabe, porém, que de todas estas coisas Deus te pedirá contas. Afasta, pois, do teu coração o desgosto e remove da tua carne a dor, porque a juventude e a primavera da vida são vaidade. (Eclesiastes 11:9,10)
E agostinho confirma:
“A vida feliz e autêntica é depositar a alegria em Ti, baseada em Ti e causada por Ti. Essa é a melhor parte, e não há outra.” (Confissões de S.Agostinho)
“Tu nos criaste para Ti mesmo e nosso coração fica inquieto até repousar em Ti.” (Confissões de S.Agostinho)