"Que se deve pensar portanto do Domingo e dos ritos similares das igrejas? À isso respondem os nossos ser lícito aos bispos ou pastores fazer ordenações para que as coisas sejam feitas com ordem na igreja não a fim de, por elas, satisfazermos por pecados ou se obrigarem as consciências a que as tenham na conta de cultos necessários. Assim, Paulo ordena que, na congregação, as mulheres velem a cabeça e que os intérpretes na igreja sejam ouvidos um após outro. É conveniente que as igrejas, por causa do amor e da tranquilidade, obedeçam a tais ordenações e as conservem até onde não ofenda o outro, fazendo-se, pelo contrário, tudo nas igrejas com ordem e sem tumulto. Contudo, de maneira tal que não se onerem as consciências, de forma que pensem serem coisas necessárias para salvação e julguem em que pecam quando as violam sem escândalo. Assim como ninguém dirá pecar a mulher que, sem escândalo, se apresenta em público de cabeça descoberta.”
Confissão de Augsburg — artigo XVIII
"Para que possam ser instituídos, mudados ou eliminados por motivos de edificação, lugar, tempo, pessoas, etc. Assim, o decreto dos apóstolos sobre o que foi estrangulado e sobre o sangue deixou de ser usado há muito tempo, porque a razão pela qual foi feito não existe mais.Em 1 Coríntios 11:4 Paulo ordena que os homens orem e profetizem com a cabeça descoberta, as mulheres com a cabeça coberta, e isso ele tira da circunstância dos lugares e dos tempos. Pois naquela época e naqueles lugares os homens saíam ao público com a cabeça descoberta, mas as mulheres, tanto escravas como livres, com a cabeça coberta, como Plutarco escreve em Questiones Romanae. E era sinal de autoridade falar com a cabeça descoberta, como, por outro lado, a cabeça coberta era sinal de sujeição. Em nossos tempos e lugares observa-se o contrário. Pois falar ou ouvir com a cabeça descoberta é sinal de sujeição, mas o sinal de autoridade é falar com a cabeça coberta”.
Concílio de Trento - Martin Chemnitz
Cobrir a cabeça é uma prática muito antiga, desde muito antes de Jesus, inclusive. Os relatos mais antigos vieram dos Assírios, mas essa prática existiu em diversas tribos e por diversas culturas, até mesmo não cristãs. Mas afinal por que as mulheres cobriam suas cabeças? No judaísmo o cabelo da mulher era quase como que uma parte íntima do corpo, reservada apenas ao marido. Por essa razão ela, publicamente, não deveria expor sua "nudez". Além disso, cobrir a cabeça era um sinal de submissão e respeito. Hoje em dia essa prática se perdeu, assim como várias outras.
Agora quando olhamos para a bíblia, precisamos tomar certos cuidados. Um deles é entende-la em seu contexto. E outro é entender que gênero literário é aquele dentro da bíblia. As cartas de Paulo eram pastorais, ele estava cuidando de questões locais. Igreja x no lugar tal tem esse problema. Como Paulo aconselha eles dentro do contexto deles? Eis a carta aos X. Já os Y tem outras questões, como ele vai aconselhar dentro daquele contexto? Eis a carta aos Y. Agora vamos pegar 1 coríntios 11 onde ele exorta as mulheres a cobrirem a cabeça. Paulo escreveu essa carta à uma igreja grega, numa cultura grega. Naquele período havia uma onda de mulheres que serviam à deusa Afrodite e essas mulheres eram conhecidas pelos cabelos curtos ou raspados (o que era, na Grécia, um motivo de vergonha geralmente associado à alguma punição por adultério). Imagine que eram como as feministas que hoje cortam o cabelo bem curto ou até o raspam, e não depilam as pernas nem as axilas como sinal de rebeldia. Se alguma mulher cristã copiar elementos dessa cultura, ela estará trazendo escândalo para dentro da igreja (seja no período grego, seja no contemporâneo). Com certeza isso afetou a ordem e decência do culto nas igrejas que Paulo cuidava.
Não só isso, mas a baderna que algumas mulheres causaram em outra igreja o fizeram exigir silêncio delas, e com razão. Agora, olhamos pra hoje em dia e simplesmente não há ninguém na igreja usando véu. Nem nas ruas, nem nas casas. Será que ir pra igreja ou sair de casa com a cabeça descoberta vai causar escândalo e desordem? É certo que não.
Paulo menciona a cabeça raspada comparando com a falta do véu porque na cultura judaica o não uso do véu era equivalente à cabeça raspada na cultura grega. Inclusive por isso ele diz que o cabelo longo é dado no lugar do véu. O que Paulo queria dizer era "Olha, tem muita confusão acontecendo aqui na igreja por conta desses costumes que apontam pra rebeldia. Então, como judeu, peço que se cubram com véu pra não se assimilarem às pagãs que oferecem sacrifícios sexuais à falsos deuses. Mas se na sua cultura o cabelo longo já representa a submissão e as difere das pagãs, então o cabelo serve como véu. Mas por favor, façam alguma coisa para demonstrar honra aos homens!"
Agora pensemos em Deuteronômio 22:5 dizendo "Não haverá traje de homem na mulher, e nem vestirá o homem roupa de mulher; porque, qualquer que faz isto, abominação é ao SENHOR teu Deus".
Ora, na Escócia as "saias" chamadas kilt usadas por homens escoceses existem desde meados do século XIV. No Brasil, saias são vistas como traje feminino e em hipótese alguma masculino. Os escoceses estão em pecado então? Qual ponto de vista é o que define isso, a nossa cultura ou a deles? Obviamente que isso depende do tempo, cultura e lugar. Se aqui no Brasil um homem vestir uma saia, ele vai automaticamente estar vestindo traje de mulher, o que se configura como pecado. A não ser que ele vista mesmo o traje Escocês, e isso justamente porque está atrelado à CULTURA escocesa que normalizou uma peça específica como masculina.
Da mesma forma a calça se normalizou como peça unissex na maioria dos países. Mas se você for mulher e visitar um país cuja cultura entenda o uso das calças como exclusividade masculina, e ainda decidir vestir calças, aí ali isso seria pecado. Porque naquele ambiente e cultura a calça te faz ser vista como uma rebelde ou até como uma mulher que se identifica como homem. É uma questão de semiótica.
Na verdade, em alguns contextos o uso do véu pode ser até mesmo danoso pra igreja, quer ver?
Um caso interessante é o que Chemnitz coloca. Em muitas culturas o cobrir a cabeça serve como sinal de autoridade própria e não de submissão à outra autoridade. Eu cresci num contexto onde eu devia tirar o boné sempre que me apresentava diante de alguém mais velho ou de algem com cargo de autoridade. Quando eu ia até meus professores para fazer alguma pergunta, eu sempre tirava meu boné/touca. Isso era visto como respeitoso. Dentro das igrejas também houve essa cultura. Lembro que quando criança eu ouvia vários comentários sobre jovens que não "não tinham temor a Deus pois iam pra igreja de chapéu, touca, ou boné". Eu às vezes ia de touca mas tirava quando entrava dentro do templo. Até hoje na minha família, sentar-se à mesa com a cabeça coberta é sinal de desonra. E isso vem de muito tempo atrás, como o próprio Martin Chemnitz aponta.
Agora, outro caso. Imagine uma igreja onde ninguém cobre a cabeça e você decide cobrir a sua e dizer pra todo mundo que o faz porque é pecado não o fazer. Você está dizendo nesse momento, e em todos os outros em que aparecer de véu, que todo mundo ali é insubmisso e pecador. E você é a ÚNICA piedosa e submissa. Parabéns, você acaba de onerar várias consciências, trazer peso sobre várias pessoas que não estavam pecando, e bem provavelmente no fundo do seu coração você se sentiu superior e mais santa que todas as outras mulheres. E aí você confundiu luteranismo high church com farisaísmo.
Paulo era o apóstolo que dizia que estava tudo bem comer carne sacrificada à ídolos desde que isso não ferisse a sua consciência. A teologia dele certamente não era fundamentada em regras desse tipo baseadas em um código de vestimenta fixo. Alguém pode vestir-se de acordo com o código de vestimenta correto e ter um coração impuro e insubmisso. Toda as cartas do Apóstolo falam muito sobre o coração humano. É por isso que o Espírito Santo é tão importante nos auxiliando nessas horas. Sempre que tivermos dúvidas nesse quesito precisamos estar munidos de bíblia, de entendimento e sabedoria.
1. Por que Paulo pediu que cobrissem as cabeças?
R: Porque descobrir, naquele contexto, era escandaloso.
2. Então qual o ponto de Paulo se considerarmos tudo o que ele diz no contexto da carta?
R: O ponto de Paulo era enfatizar a ordem e decência.
3. Mulher cobrir a cabeça na minha igreja, na minha cultura e no meu tempo é natural?
R: Provavelmente não.
4. Então se eu não o fizer, eu estou mostrando rebeldia e não submissão diante de Deus e dos homens?
R: Não.
5. O que então pode ser um sinal de rebeldia e falta de submissão na minha conduta e vestimenta?
R: Essa resposta carrega uma importante pergunta: Quando eu me visto, eu penso em como minha roupa colabora para levar outros homens a pecar? Essa pergunta deve sempre estar presente no coração antes de se vestir não só pra ir à igreja mas em qualquer ambiente. Se a resposta da pergunta for sim, essa roupa não é adequada e vesti-la será pecado porque revela sua insubmissão diante de Deus e sua falta de amor ao próximo colaborando para a consumação do pecado do seu irmão que poderia ter sido poupado de mais essa tentação.
Agora, se a resposta for não e sua consciência estiver limpa, essa roupa é adequada. Mini saias e decotes são adequados então? Calças muito apertadas (isso serve pra ambos os sexos) são adequadas? Vestidos muito curtos são adequados? Você provavelmente já sabe a resposta.
Não cobrir a cabeça é o MENOR sinal de insubmissão e de rebeldia nos dias de hoje. Não cobrir a cabeça não diz NADA sobre sua vida piedosa e seu temor a Deus. Agora, as saias que você veste e os decotes que você usa, o jeito que você se veste pensando em parecer sexualmente atraente, o jeito que você caminha, se inclina e age, isso diz MUITO sobre seu coração. Você NUNCA vai ver uma mulher que teme a Deus se vestindo como uma mulher vulgar. Isso, porque o coração dela é submisso ao Senhor e deseja seguir Sua santa vontade moral, respeitando o próximo e honrando os homens.
Eu falo de tudo isso, dos desejos do coração e das intenções, porque é crucial. Nós somos salvos pela fé, então precisamos entender que fé é essa e que frutos ela gera. Essa certeza nos ajuda a tomar decisões sábias.
Portanto, antes de qualquer coisa, seja você mesma o seu próprio véu. Transborde submissão e humildade.
Às mulheres que usam lenços e véus na igreja, por favor, cuidado pra não julgarem as outras mulheres como pecadoras quando elas nisso não estão pecando. Se você gosta de cobrir sua cabeça na casa de Deus como sinal de humildade e submissão, não se esqueça de cobrir seu coração de temor ao Senhor antes. As obras só são aceitas se feitas debaixo da fé verdadeira. Também tomem cuidado para não confundir uma paixão pessoal por um tempo e cultura particular com lei moral bíblica. Eu gosto muito de véu e lenços, eu amo vestidos floridos e amo camponesas e toda a cultura da idade média das pinturas. É muito bonito na estética e é interessante pensar no significado que tinha na época. E eu geralmente tento reproduzir na minha aparência também. Mas eu não devo crer que isso é parte da lei moral de Deus. Uma coisa não tem nada a ver com a outra (o mesmo aos homens que saem por aí dizendo que mulheres devem cobrir a cabeça. Tenham amor ao próximo, por favor.)
Finalizo esse texto esclarecendo que não há problema algum na prática de cobrir a cabeça, mas que meu foco hoje é enfatizar que também não há problema algum em NÃO cobrir a cabeça. Tudo o que fizerem, façam com ordem e decência.